
Exmo. senhor presidente da Câmara Municipal de Ovar
Exmo. senhor presidente da Assembleia Municipal de Ovar
Exmo. senhor presidente da Junta de Freguesia de Válega e demais membros do executivo
Exmos. senhores membros da Assembleia de Freguesia de Válega
Exma. senhora vereadora Drª Ana Cunha
Exmos. senhores autarcas presentes
Exmos. senhoras, senhores e associação que hoje foram justamente homenageados
Exmos. senhores representantes das associações e instituições presentes
Exmos. senhoras e senhores convidados
Exmos. representantes da comunicação social
Exmo. público presente
No dia 9 de Julho de 1985 a assembleia da república aprovou a elevação de Válega a Vila, promulgada pela Lei 59/85 de 25/9, graças ao empenhado trabalho de vários valeguenses, dos quais destaco o deputado Manuel Laranjeira Vaz e o presidente da junta da altura, António Álvaro da Silva Matos, entre outros, sendo a atribuição daquele título que nos leva a comemorar neste dia de cada ano a atribuição do título de vila, quase sempre com o mesmo género de discursos, mais ou menos políticos.
Em 1985 para que uma freguesia alcançasse o título de Vila era necessário preencher alguns requisitos como ter posto médico, estação dos CTT, agência bancária, farmácia. Outros requisitos essenciais que hoje balizam o desenvolvimento sustentável de qualquer população, como as redes públicas de água e saneamento, não eram considerados indispensáveis. Atravessávamos a época em que era entendimento comum não fazer sentido uma sede de concelho não ser cidade e uma freguesia não ser vila. A verdade é que a esse entendimento poucas localidades resistiram à obtenção de título superior ao que já possuíam. Castelo de Vide, Vila Verde e Murça são exemplo de excepções de sedes de concelho que são vilas e querem continuar vilas, sem com isso prescindirem do seu desenvolvimento e progresso.
Porém, Válega não tem uma história de apenas 32 anos. Remonta ao ano 1002 o primeiro registo conhecido com o nome de Válega, que passou a ser freguesia com a fusão das vilas de Dagaredi e de Pereira Jusã. No entanto, a vila Dagaredi ou Degarei, que à época teria a sua sede na área do que se tornou mais tarde o lugar de S. João, está referenciada em documento do ano 929, que regista a venda dumas marinhas de sal que existiam na zona de Cabedelo, como refere Alberto Sousa Lamy na sua obra “monografia de Ovar”. Destes registos podemos constatar que a nossa freguesia, conhecida pela sua actividade mercantil, estava especialmente ligada ao comércio do sal, que se prolongou até aos anos 80 do século passado e à actividade no sector primário.
Com a fusão daquelas duas vilas, Válega passou a ser um território com cerca de 27 Km2, distribuído por 45 lugares, que vai desde o ponto mais baixo, junto à Ria, até Paçô, que é o lugar mais alto, com 112 metros, tendo na actualidade quase 7000 habitantes.
É difícil fazer a determinação etimológica de Válega. Uns autores atribuem a Valeja, a origem de Válega, o que significava um pequeno vale, tendo alguma lógica, considerando a sua geografia; outros atribuem a Valego, que significaria preso, unido. Outros ainda, como cita Monsenhor Miguel Oliveira na sua obra “Memória histórica e descritiva”, atribuem a Vectica, uma antiga cidade fundada pelos Vetões, por volta do ano 300. Certo é que não há, até à data, uma conclusão que possa garantir a verdadeira origem, embora se aponte para a primeira, Valeja, por ser a que tem mais lógica.
Inserida num território absolutamente católico, Válega é rica em templos religiosos, como as capelas de S. Gonçalo, S. Miguel, S. João, S. Bento e Nossa Senhora das Necessidades, Senhora das Febres, Senhora da Conceição, Senhora das Dores, Senhora de Lourdes, Senhora de Entráguas, além doutras particulares e algumas já extintas, merecendo especial realce a Igreja Paroquial, do séc. XVIII, cujos painéis de azulejo colorido da fachada e a sua riqueza interior estão a torná-la uma preciosa atracção turística.
Outra riqueza patrimonial eram e são as fontes, os moinhos, além de outros monumentos religiosos, com o monumento à Nossa Senhora do Amparo e a Nosso Senhor dos Aflitos, para não falar do que praticamente já não existe e que fazia parte do edificado público da Vila de Pereira Jusã, como a cadeia, pelourinho, edifício da Câmara Municipal e capela, cujo foral manuelino remonta a 1514.
O suporte da economia da freguesia foi durante séculos o fabrico da telha da Regedoura, uma telha de um só cano, com cerca de meia dúzia de pequenas fábricas, tendo a sua produção terminado na primeira metade do século passado. Para além disso, existia, como já referi atrás, o comércio de sal e a agricultura, assentando esta na produção de milho, feijão e batata, depois de ter sido extinta a produção de arroz e o fabrico de linho.
Apesar do elevado número de edifícios escolares, do final do século XIX e primeira metade do século XX, havia um deles que sobressaia de todos os outros, considerado um dos melhores do país, obra dos Irmãos José e Manuel José de Oliveira Lopes, grandes beneméritos desta freguesia, que é a Escola Oliveira Lopes, situada no coração da freguesia. Tem uma linha arquitectónica considerada arrojada para a altura, mas que se mantém de grande beleza e, além disso, com a particularidade de ter sido construída com serviços que, à época, só Lisboa e Porto possuíam e, mesmo assim, em poucas das suas escolas, como era o caso da cantina escolar.
Vivíamos, no início do século XX, uma grande expansão demográfica, razão porque tínhamos várias escolas, todas elas cheias de crianças, a maior parte rapazes. Porém, com a taxa de natalidade a diminuir drasticamente a partir do final do séc. XX, as escolas deixaram de ter o número de alunos suficiente para permitir o seu normal funcionamento, até porque também deixaram de usufruir das condições que hoje são exigíveis, razão porque actualmente temos apenas um desses edifícios mais antigos a funcionar, em Paçô, centralizando-se a educação básica num único edifício, moderno, com os equipamentos mínimos indispensáveis para uma melhor qualidade do ensino, situado a poente da vila, na Regedoura.
Culturalmente Válega iniciou o seu desenvolvimento em meados do século passado com o um grupo de teatro e a JOC, começando-se também a praticar algum desporto de forma mais organizada, especialmente futebol de salão, atletismo e andebol, tendo-se desenvolvido a actividade associativa a partir do 25 de Abril de 74, com o número de associações que agora se conhecem e que tanto têm contribuído para o desenvolvimento da freguesia, pese o facto da escassez de recursos humanos com que se deparam. Até então, a actividade cultural confundia-se com a religiosa, com tantas festas e romarias quanto o número de capelas existente, com especial realce para a festa que celebra a padroeira da freguesia, Nossa Senhora do Amparo.
Sem comercialização de sal, sem fabrico da telha da Regedoura, com uma agricultura muito rudimentar e sem perspectiva de futuro melhor, foram muitos os valeguenses que emigraram a partir do final do Séc. XIX para o Brasil e Estados Unidos da América, mas muito especialmente nos anos 50 e 60 do século passado, para França, Luxemburgo, Suíça, entre outros países, tornando-se uma freguesia de emigrantes, sempre desejosos do regresso definitivo mas, não sendo isso possível, desejosos da chegada do mês de Agosto para que pudessem participar nas festas em honra da padroeira da freguesia. Todos estes emigrantes souberam honrar a sua freguesia de naturalidade, por serem todos eles homens e mulheres humildes, respeitadores e sobretudo de trabalho, porque é assim que é o povo de Válega.
Durante muitos anos a agricultura foi o sustentáculo de muitas famílias da freguesia. As terras eram adubadas com moliço e escasso extraído da ria, transportado em carros de bois desde o cais da Ribeira até aos mais distantes lugares da freguesia, como Seixo, Paçô e Bustelo. Dos carros de bois passou-se para os tractores e em poucos anos ficaram os tractores mas acabou-se o moliço porque este foi substituído pelos adubos químicos que garantiam melhor e mais rápida produção. Mas nem isso serviu para erguer uma actividade que a emigração sangrou e, quando se pensava que a sustação da emigração permitiria reerguer a agricultura, veio a CEE, as quotas, a imposição de cultivos, etc, que levaram muitos dos pequenos agricultores para empregos fabris e novamente para a emigração. No entanto, certo é que existe hoje a esperança do seu renascimento, com alguns jovens agricultores e com novas formas de cultivo e produção.
Válega viveu também intensamente e de forma drástica o 15 de Maio de 1939, outra machadada na vida dos pequenos agricultores e produtores de vinho, com a imposição de corte das videiras de uvas americanas e destruição da produção do designado vinho americano, que mostrou como o povo de Válega é resistente, porque foi o único que se opôs terminantemente ao corte, o que lhe custou a vida de dois dos seus jovens… com as videiras, mesmo assim, a serem cortadas dias depois e destruídas as pipas de vinho que foram encontradas.
Sempre escassa foi a indústria na freguesia. Terminada, como vimos, a produção de telha, ficaram-se as carpintarias, ferreiros e algum artesanato, como os cestos de vime e as canastras. Só as carpintarias resistiram até à actualidade.
Sempre atrasado, sempre deficiente, chegou algum desenvolvimento à freguesia, primeiro com a linha do caminho de ferro que a atravessa a nascente, com um apeadeiro, depois com uma estrada de grande circulação, como é ainda hoje a EN109. Mais tarde o centro da freguesia foi contemplado com uma avenida e jardim. Abriu-se uma farmácia. A veneração à Senhora de Entráguas, a recuperação da sua capela e a localização desta proporcionaram a construção dum parque merendeiro procurado por populações vizinhas, mais tarde requalificado e melhorado. Com tudo isto a população aumentou e veio a estação dos CTT e mais tarde a construção do edifício onde hoje estamos, de magnífica arquitectura, não fosse obra de um dos maiores arquitectos portugueses, o valeguense Januário Godinho.
Até ao final dos anos 79 o comércio era pujante para uma freguesia como a nossa, com meia dúzia de grandes e bons estabelecimentos comerciais, como mercearias antigas, comércio de sal, comércio de adubos, materiais de construção e outros.
Nos anos 70 e 80 foram vários os restaurantes que abriram na EN 109 e algumas pequenas e dispersas unidades fabris surgiram, o “boom” da construção fez com que também surgissem alguns empreiteiros da construção civil, tudo tendo contribuído para que uma entidade bancária decidisse abrir uma agência em Válega. E assim estavam preenchidos os requisitos mínimos para que a aldeia aspirasse ser vila, ter um título que a tornasse mais vaidosa, com a esperança que essa vaidade faria com que olhassem para ela de forma apaixonada e com ela celebrassem um casamento de progresso e modernidade. Só que os títulos valem o que valem e em alguns casos servem apenas para manter viva a esperança de melhores dias, como é o caso da terra que me viu nascer e a quem entreguei toda a minha juventude em prol do seu desenvolvimento cultural.
Tenho imenso orgulho de pertencer a uma terra de gente laboriosa, de gente de compromisso, de gente humilde, de gente que nunca vira a cara às adversidades e que nunca deixou que a esperança morresse. Tenho muito orgulho por presidir, pela última vez, a uma sessão solene da elevação de Válega a Vila e, como valeguense que sou, continuarei a ter a esperança de ver a minha, nossa terra, nos índices de progresso e modernidade que merecemos por direito próprio.
Passo a citar, para concluir, um excerto dum poema de Fernando Pessoa:
Que a fé seja sempre viva,
Porque a esperança não é vã!
A fome corporativa
É derrotismo. Alegria!
Hoje o almoço é amanhã.
Viva Válega.
Viva o município de Ovar.